sábado, 29 de novembro de 2014

Por que os Videogames São Travados? [Parte 2]


  Na primeira parte dessa matéria, nós vimos como a Accolade usou o conceito de engenharia reversa para lançar jogos não licenciados para o Mega Drive / Genesis da Sega. Mas a Sega não foi a única que teve problemas com os espertinhos naqueles anos. A Nintendo também teve dor de cabeça com quem queria usar, mas não queria pagar, e a briga dela foi de cachorro grande: A espertinha no caso era a Atari em pessoa (usando um disfarce).


  No final dos anos 80, a Nintendo era dona de mais de 92% do mercado de consoles de games, um domínio definido por três letras: NES (Nintendo Entertainment System). E para garantir que continuaria assim, a Nintendo obrigava as produtoras que quisessem lançar seus games para o NES a assinar alguns contratos bastante restritivos.

  Entre outras coisas, uma produtora só podia lançar 5 games por ano para o NES, e esses games deveriam ser exclusivos do sistema por pelo menos 2 anos.

  Com o sucesso do NES e a falta de opções, o jeito para a maioria das produtoras era acatar e jogar o jogo como era posto - não que algumas não se revoltassem. Um caso bem emblemático é o da Namco, que por algum tempo chegou a retirar seu apoio dos consoles da Nintendo para suportar apenas a Sega (que então tinha uma política menos restritiva). Em pouco tempo, no entanto, a Namco acabou voltando atrás.

  Em meio a tudo isso, a Nintendo tinha ainda que gastar uma graninha com advogados, porque frequentemente era acusada - não sem razão - de práticas de monopólio.

  A Nintendo tinha suas razões para essa política, no entanto - além do dinheiro, claro. Depois do famoso Crash de 1983, quando o mercado de videogames faliu nos EUA, a Nintendo foi quem resgatou e reviveu esse mercado no ocidente. E para isso, ela havia estudado muito bem os erros da antiga dona da festa, a Atari. A Nintendo não estava disposta a ver o mercado de games ser derrubado pelo seu próprio peso como a Atari viu, e por isso, mantinha um estrito controle de qualidade - ou pelo menos essa era a desculpa oficial para o "monopólio"

  Muita gente no entanto considerava a Nintendo apenas como uma tirana no poder. E onde houver tirania, haverá resistência.

  Havia, obviamente, algumas maneiras de burlar as regras da Nintendo (a mais visada era o limite de 5 games por ano). Uma das mais comuns era criar uma empresa fantasma para que ela lançasse os games para você. Muitas empresas, como a Konami e Acclaim usaram e abusaram desse método. E foi assim que nasceu a Tengen.

Pac Man antes e depois do "Rabbit"
Tengen quem?

 E já que estamos falando do crash, a Atari teve que rebolar para sobreviver depois que o mercado de games veio abaixo. Ela acabou se dividindo em duas, uma não tendo muito poder sobre a outra e cada qual no seu quadrado: Havia a Atari Corporation, que cuidava dos games para consoles, e a Atari Games, que cuidava dos games para Arcade.

 A certo ponto, a Atari Games resolveu que lançaria games para o NES também, mas não podia usar o nome Atari, uma vez que esse era o território da contraparte Atari Corporation. Foi aí que eles criaram a Tengen, cujo nome vem da mesma origem que o nome Atari, o jogo japonês de tabuleiro Go.

 A Tengen, no entanto, não aceitou de cara os termos da Nintendo. Resolveram então jogar sujo e tomaram a mesma decisão que a EA tomaria depois: quebrar a proteção da Nintendo na marra. Na marra, não deu. Os engenheiros da Tengen não conseguiram achar uma maneira de quebrar a segurança do NES apenas usando de engenharia reversa.

 Os primeiros jogos que a Tengen lançou para o NES eram jogos licenciados bonitinhos: Pac Man, RBI Baseball e Gauntlet. Mas enquanto isso, eles estavam trabalhando em quebrar a trava do NES de qualquer forma, o que resumia-se a achar uma maneira de enganar um chip chamado 10NES, que continha um programa que fazia a verificação da autenticidade do cartucho.

 Tanto o NES quanto o cartucho do jogo tinham cada qual o seu 10NES. Os dois chips se comunicavam entre si, liberando o console para rodar o game se estivesse tudo certo. Em suma, o 10NES mantinha os negócios funcionando da seguinte forma: Quem fazia um jogo para NES, passava o software para a Nintendo, que então produzia e distribuía o game com o 10NES no cartucho. Uma maneira dura de manter todos nas rédeas.

 Essa não seria a primeira derrota do 10NES, porém, as únicas maneiras de transpô-lo encontradas até agora eram deveras esquisitas: Uma empresa européia chamada HES chegou a lançar alguns games de NES com entrada para outro cartucho em cima dele. O 10NES do cartucho original que estava encaixado no outro era ativado na hora da verificação do NES, e então, o videogame fazia boot do jogo não licenciado. Bizarro, esteticamente horroroso, não tão prático, porém, de certa forma, um sucesso. Mais tarde a mesma HES usaria o conceito pra criar um acessório que permitia jogos japoneses do Famicon rodarem no NES americano ou europeu e vice versa.

Ninja, porém, pirata
  Entretanto, isso não era o que a Tengen queria. Eles procuravam algo mais simples, menos espalhafatoso e com custo de produção menor. Em fato, havia outro caminho: Algumas empresas tinham conseguido quebrar a proteção com um script que obrigava o NES a forçar o chip 10NES até que o mesmo entrasse em curto (!!!). Os engenheiros da Tengen temiam que isso pudesse danificar o videogame (ufa!) e queriam achar outra saída. Além disso, a Nintendo já havia lançado um modelo novo de NES que estava vacinado contra essa técnica.

  A solução veio quando os advogados da Tengen conseguiram com o governo dos EUA (mais precisamente, do Escritório de Patentes e Marcas Registradas dos EUA) uma cópia das informações técnicas do programa que fazia o 10NES funcionar - uma cópia de todo o script que travava o console. A desculpa era de que a Tengen precisava deles para entrar com uma ação contra a Nintendo. A desculpa mais cara de pau da história dos games? Talvez, mas deu certo. Com o código em mãos, não foi difícil para os engenheiros da Tengen criarem seu próprio chip que emulava o funcionamento do 10NES ("Rabbit") que permitia que seus games enganassem o 10NES e rodassem lisos em qualquer NES conhecido. Xeque.

  Pior que isso: A Tengen tinha em mãos o código inteiro do 10NES. Ou seja, não adiantava mais a Nintendo lançar revisões como havia feito contra os cartuchos "queimadores" anteriormente. A Tengen também atualizaria seu cartucho e pronto. A única saída seria mudar a arquitetura do NES em si pra incluir um chip novo, mas fazendo isso, como ficariam os usuários antigos do NES? Afinal, como eles jogariam, se o chip novo (e consequentemente os jogos novos) teoricamente deveriam ser significativamente diferentes e incompatível com o 10NES? Xeque Mate?

  Daí pra frente, virou festa.  No meio tempo em que a Nintendo tentava impedir legalmente que a Tengen continuasse lançando jogos não licenciados, até Tetris ela lançou (o que acabou virando outra briga judicial separada sobre quem deveria ficar com os direitos de Tetris nos consoles).

  Aliás, nada foi perdoado pela Tengen, e até Shinobi e After Burner, duas populares franquias da Sega, acabaram dando as caras no NES dentro dos cartuchinhos pretos dela. Os próprios jogos da Tengen que estavam licenciados e já haviam sido lançados, como Pac Man, passaram a ser fabricados dentro do "esquema".
Na verdade, Tetris era até maior que Halo e God of War...

  Repare o tamanho do problema: Diferente do caso Sega x Accolade, onde a Sega lidava com uma empresa que só lançava mesmo é um monte de jogos que ninguém se interessava, aqui a coisa era pesada e estava envolvendo franquias enormes para a época, como Tetris e Pac Man. Praticamente o Halo e o God of War da época. Ou quase.

 Os jogos da Tengen eram ligeiramente diferentes e fáceis de ser reconhecidos: Ao contrário dos cartuchos comuns, aqueles cinzas e quadrados que conhecemos e amamos, eles eram pretos e arredondados nas bordas. Sim, os jogos da Tengen realmente se pareciam com cartuchos de Atari.

 A briga, nos tribunais, começou em 1989 e durou até 1994. Nesses 5 anos, a Tengen deitou e rolou com o NES e abriu precedente para algumas empresas menores que a seguiram. Apesar de algumas percas pelo caminho (como o processo envolvendo Tetris, que a Nintendo ganharia ainda em 1989), 5 anos lançando games era basicamente tudo que a Tengen ou qualquer outra empresa precisava ali.

Quando a Nintendo finalmente ganhou e a Tengen foi obrigada a recolher seus jogos das lojas, o Saturn e o Playstation já estavam nas lojas, o SNES (que também vinha equipado com sua versão do 10NES) já havia sido burlado também e o Nintendo 64 estava começando a ganhar forma. Ou seja, o NES já tinha dado o que tinha que dar pra Tengen.

 A grande diferença entre esse caso e o da Sega reside num ponto: O chip Rabbit era basicamente uma cópia do 10NES - utilizava praticamente o mesmo código, embora não tivesse exatamente a mesma engenharia. Também pesou contra a Tengen o fato de que eles usaram maneiras fraudulentas para conseguir os códigos do 10NES.

  Outra batalha que entrou pra história. Um lembrete eterno do porque as empresas precisam proteger os seus sistemas de tudo e de todos - incluindo as outras empresas do meio. No jogo do dinheiro, jacaré que dorme no ponto vira bolsa de madame...



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